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“O sector, como um todo, resistiu bem” – Meios & Publicidade
Teresa Figueira, presidente da APECOM
“O nosso foco deve estar na responsabilidade que temos, enquanto sector, de ajudar a atravessar este período com esperança, criando relações de proximidade, contribuindo para a reconstrução da economia, aconselhando as lideranças e reestabelecendo a confiança dos públicos nas empresas, marcas, instituições e organizações públicas e privadas”. A convicção é de Teresa Figueira, presidente da APECOM, que representa, nas palavras da responsável, cerca de 73 por cento do sector da consultoria em comunicação em Portugal, com uma facturação de 36 milhões de euros. Em entrevista ao M&P, a responsável analisa a forma como a pandemia impactou o sector.
Meios & Publicidade (M&P): Quase um ano de pandemia. Globalmente, como é que este período se está a reflectir no sector da comunicação?
Teresa Figueira (TF): Estamos a viver um período de uma complexidade e incerteza sem paralelo. No entanto, de um modo geral, podemos dizer que o sector da comunicação e relações públicas provou ter alicerces bem consolidados. Apesar das dificuldades, mostrou ser muito ágil e resiliente. É verdade que, sobretudo o primeiro semestre de 2020, foi muito mais duro e o impacto reflectiu-se na actividade das agências e consultoras de comunicação, tal como nos restantes sectores de actividade. Assistimos ao congelamento de planos, campanhas e iniciativas, sobretudo nas áreas da comunicação mais ligadas ao consumo, eventos e activação de marca. Foi um período de grande pressão para as agências e consultoras de comunicação. Felizmente, a grande maioria estava bem preparada do ponto de vista de infra-estrutura e ferramentas tecnológicas e digitais. De um dia para o outro, viemos todos para casa com o desafio de coordenar equipas e de ajudar os nossos clientes, todos ao mesmo tempo. O trabalho em agência é desafiante desse ponto de vista, foi como ter todos os clientes em gestão de crise, em simultâneo. As equipas foram espectaculares, inexcedíveis, para que conseguíssemos estar lá para todos e não deixar nenhum cliente sem apoio, sem resposta.
O segundo semestre de 2020 foi mais positivo, a outra face da moeda que amortece este impacto dos primeiros meses do ano e que nos permite dizer que o saldo se equilibra. Pela natureza das nossas competências, as áreas de aconselhamento estratégico, comunicação corporativa, gestão de crise e comunicação interna provaram, uma vez mais, ser estratégicas para as empresas e para as marcas, como sempre acontece em alturas de crise. Actuar de forma preventiva, proactiva e sistematizada nestes domínios ganhou ainda mais relevância no contexto actual, tornou-se a prioridade. Para as agências e consultoras surgiram oportunidades de crescimento e de fortalecimento das relações com os clientes, são áreas estratégicas, business critical para as marcas, para as empresas e para as suas lideranças, e este é um dos nossos territórios de excelência. Comunicar bem, de forma clara e estruturada, no timing certo, para a diversidade de audiências dentro de um ecossistema de comunicação rápido e digital como o de hoje, nunca foi tão importante. E nós somos o parceiro natural para assumir essa responsabilidade.
M&P: Ao contrário do que aconteceu com a publicidade, e com excepção do primeiro semestre de 2020, não podemos falar de uma quebra no sector?
Teresa Figueira (TF): Diria que o sector, como um todo, resistiu bem. Ainda não temos dados oficiais quanto ao fecho de actividade em 2020. O impacto varia consoante as características de cada agência ou consultora, as áreas de especialidade e nível de integração das várias valências de serviço. Com base na informação que temos, o segundo semestre foi mais positivo, o que permite prever que a quebra seja recuperável. Numa perspectiva global, há áreas de serviço que sofreram impacto negativo e outras que cresceram, o que nos aponta para um equilíbrio e resiliência do sector.
M&P: Como é que prevêem, neste contexto de incerteza, 2021?
TF: Já todos disseram, é isso mesmo, um contexto de grande incerteza, tanto nos contornos como no seu horizonte temporal. A pandemia, também já todos disseram, veio alterar a forma como olhamos para o mundo, o que nos obriga a reflectir, enquanto pessoas e consumidores, sobre as nossas prioridades, valores, e que nos autoriza a fazer um escrutínio sobre a intervenção de todos os actores da sociedade. Todas as mudanças na sociedade condicionam e impactam a forma como comunicamos e a forma como as mensagens são interpretadas pelos diferentes públicos, colaboradores, clientes, investidores, parceiros, autoridades, instituições. O nosso foco deve estar na responsabilidade que temos, enquanto sector, de ajudar a atravessar este período com esperança, criando relações de proximidade, contribuindo para a reconstrução da economia, aconselhando as lideranças e reestabelecendo a confiança dos públicos nas empresas, marcas, instituições e organizações públicas e privadas. O ano de 2021 não vai ser fácil nem previsível. De certa forma, os últimos 15 anos também não o foram, houve outras crises com as quais aprendemos e que nos obrigaram a um esforço enorme de inovação e adaptação, fruto igualmente do tremendo desenvolvimento na forma como comunicamos, como acedemos à informação, como a amplificamos e como a interpretamos e validamos, enquanto sociedade. Ouvir e compreender o que as pessoas pensam, sentem e valorizam é essencial para que a comunicação deixe de ser apenas um factor crítico para passar a ser um factor estratégico. O foco na importância estratégica da comunicação está para ficar, e isso representa uma enorme oportunidade de actuar de forma relevante e acrescentando valor. Somos o parceiro qualificado para ocupar essa cadeira.
M&P: As empresas, os clientes, estão conscientes da importância da comunicação como factor estratégico? O que podem fazer, ou têm feito, nesse sentido?
TF: Sim, cada vez mais. Os CEO e as equipas de liderança das empresas e organizações vêem-se obrigados a navegar em águas turbulentas, com horizontes pouco visíveis e nada previsíveis. A forma e agilidade com que têm de se desenhar respostas a questões sociais e do ambiente que nos envolve é um factor determinante, não só para ultrapassar o momento que vivemos, mas também para criar os alicerces do futuro. Haverá um pós-covid, mesmo que não saibamos ainda quando isso será. Até lá, é fundamental manter as organizações a funcionar, mitigar constantemente os riscos, estar preparado para os novos desafios e gerir as expectativas de todos os stakeholders neste processo. Inspirar os colaboradores, ganhar a confiança dos consumidores ou atrair investimento nunca foi tão importante e estratégico. Toda esta realidade, acelerada pela drástica transformação digital que vivemos no último ano, leva os clientes a reequacionar prioridades. O nosso papel é ajudar nesse trabalho de reflexão e implementação, juntando valor estratégico, aumentando recursos e diversificando competências. Diria que é a comunicação que assume o papel de actor principal, não são as consultoras ou agências sozinhas, é um trabalho que se faz em equipa com os CEO das empresas, as equipas de gestão, de marketing e comunicação. É isto que temos feito, perceber os desafios de negócio dos nossos clientes, definir estratégias de comunicação, de envolvimento, e ajudar a implementá-las.
M&P: Em Novembro de 2019 dizia, em entrevista ao M&P: “Temos de ser mais visíveis. Antes de chegarmos à parte da reputação, temos de ser mais visíveis e as pessoas têm que entender melhor o que fazemos”. Um ano e meio depois, entendem?
TF: Este é um trabalho de fundo, levará certamente mais do que um ano a consolidar e gerar mais impactos visíveis. A direcção da APECOM definiu a estratégia e os pilares de actuação nos quais estamos a construir alicerces e a desenvolver iniciativas, nem todas ainda visíveis, mas é assim que tem de ser. Celebrámos em Março de 2020, cerca de uma semana antes do primeiro confinamento, os 30 anos da APECOM com a realização de uma conferência onde quisemos, não só discutir os temas estruturantes do sector, mas também trazer para essa reflexão muitos dos que fazem parte do ecossistema, incluindo os clientes, os profissionais, os fundadores e as novas gerações. Foi um momento agregador do passado e do presente, mas, acima de tudo, foi também um apelo a todas as agências e consultoras para se juntarem em torno da associação.
Outro momento importante, com a participação massiva dos associados, foi a acção que lançámos no Verão de 2020, onde quisemos reforçar, através da realização de um vídeo, que o sector das empresas e consultoras de comunicação tem profissionais competentes com diversas valências complementares, o que permite dar uma resposta sólida e célere em situações de crise como a que estamos a viver. Todos necessitavam, e necessitam, de informação verdadeira e de qualidade, sejam as audiências internas ou externas às organizações. O valor do sector reside na intersecção entre o conhecimento que dispõe da organização – visão, objectivos de negócio, barreiras e oportunidades – e o domínio das ferramentas de comunicação nas suas diversas disciplinas, desde a comunicação corporativa, gestão de crise, assessoria mediática, comunicação interna, redes sociais, digital.
Todos têm respondido à chamada, a associação tem e terá a força proporcional ao envolvimento de todos, estamos na direcção certa, mas ainda a percorrer o caminho.
M&P: Têm, desde meados de 2019, 25 associados. Enquanto associação, há espaço para aumentar a vossa representatividade?
TF: Claro, há sempre espaço para crescer.
M&P: Quantas agências há neste momento, é possível ter uma ideia aproximada? Em 2019 seriam cerca de 300, olhando ao CAE. E quanto vale o sector?
TF: Na APECOM realizamos anualmente uma projecção dos valores e dimensão sector da Consultoria de Comunicação e Relações Públicas em Portugal. Os últimos dados de que dispomos são ainda referentes a 2019, no próximo mês de Maio divulgaremos a quarta edição desta análise com a actualização dos dados relativos a 2020. Estimamos que a dimensão do sector rondará os 49 milhões de euros. Um valor que permite concluir que os associados APECOM representam cerca de 73 por cento do sector da consultoria em comunicação em Portugal, com uma faturação de 36 milhões de euros. Relativamente ao número de trabalhadores, dos 625 colaboradores das empresas analisadas, 441 pertenciam, em 2019, a agências associadas, número que representa 70 por cento do sector. No que diz respeito ao valor do EBITDA, dos quase seis milhões de euros registados pelo mercado, 63 por cento referem-se a associados APECOM.
M&P: Quais são as prioridades, neste momento? Digital, criatividade, lobby e estudos/conhecimento eram as áreas eleitas como fundamentais pela direcção da APECOM. Há alguma evolução nestas questões/áreas?
TF: São esses os pilares da nossa actuação. Temos grupos de trabalho constituídos para cada um deles, que são liderados pelos vice-presidentes da APECOM e incluem igualmente elementos dos nossos associados, em função das suas áreas de interesse e especialidade. Por exemplo, no pilar da criatividade temos vindo a trabalhar em parceria com a Ana Paula Costa e com a MOP enquanto representantes dos Lions Festivals em Portugal. O trabalho que temos desenvolvido tem dois objectivos específicos: ajudar as agências a trabalhar os seus casos de sucesso para a submissões aos Cannes PR Lions e apoiar, inspirar, os mais jovens talentos da indústria na representação do nosso país nos Young Lions. Uma parte da indústria criativa nacional está nas relações públicas e queremos valorizar essas competências. Devido à pandemia, a edição de 2020 acabou por ser adiada, mas vai acontecer em breve. Temos vindo também a solidificar as relações com a academia através de protocolos de colaboração, tendo como exemplo protocolos com a ESCS e com a Universidade Católica Portuguesa, este último especificamente no desenvolvimento de uma formação avançada em gestão de crise e reputação destinada a gestores de topo. Na vertente da formação temos diversificado parcerias com várias entidades, com especial enfoque na capacitação das nossas pessoas nas áreas estratégias e digitais. Ainda no eixo dos estudos e conhecimento, estamos a finalizar a terceira edição do Barómetro APECOM, uma ferramenta bienal que visa medir e auscultar a relação de empresas e instituições com as agências e consultoras de comunicação, procurando antecipar tendências, e ouvir os responsáveis das empresas, da comunicação e do marketing. Por último, temos o grupo de trabalho que acompanha o tema do lóbi.
M&P: Em Janeiro foram aprovados na generalidade três projectos de lei sobre a regulamentação do lóbi. Como vê estes documentos?
TF: Vemos com agrado que este importante tema tenha voltado a avançar ao nível do Parlamento. Como parte interessada, vamos agora acompanhar a discussão na especialidade destas três iniciativas, sendo que temos uma certeza: a lei do lóbi é um passo essencial na direcção da transparência. Somos defensores da regulamentação da representação de interesses, tal como existe na UE e na larga maioria dos países que a compõem, de forma a promover o profissionalismo, rigor e ética desta actividade natural e usual num sistema democrático sólido. Vivemos numa sociedade onde o interesse público coexiste com o privado e, como tal, as entidades estatais devem auscultá-lo e compreendê-lo na sua justa medida. É preciso ter claro que, na base dos fundamentos do lóbi, está, não só a defesa de um interesse legítimo, mas também o benefício de a própria actividade fornecer ao legislador, ou decisor público, informações, análises e opiniões que lhe permitam uma tomada de decisão mais informada.
M&P: A pandemia tem sido apontada como um grande acelerador da tecnologia/digital. O digital, e os dados, já eram pontos identificados como críticos no trabalho das agências. Um ano depois do início da pandemia, o que mudou neste aspecto?
TF: Mudou a constatação da relevância dos dados na transversalidade de toda a lógica de comunicação. Quando o mundo nos fecha em casa, nos diminui os pontos de interacção com os consumidores e audiências, de uma forma geral, torna-se óbvio que temos de continuar a ouvir e a medir o impacto do que fazemos e comunicamos, adicionando KPIs. Quando o plano principal é jogado no tabuleiro digital, a familiarização com os dados e a sua interpretação vai-se tornando parte do dia-a-dia. A aceleração, a transformação digital, tem sido exponencial. A integração da digitalização no nosso processo de trabalho e de pensamento estratégico multidisciplinar é hoje central.
M&P: No final de 2019 falávamos do esmagamento dos fees e da “batalha” para valorizar o vosso trabalho. Ainda é questão? Ou tornou-se um problema com maior gravidade?
TF: Sinceramente, acredito que o preço é cada vez menos o critério na escolha de um parceiro para os serviços de consultoria de comunicação e relações públicas. Se os clientes estão cada vez mais exigentes, estão igualmente mais sensíveis e conscientes de que a qualidade de serviço, senioridade e competência das equipas têm que ser valorizados. A diferenciação está aí.
* Entrevista publicada originalmente na edição nº879 do M&P
