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É burla ou não? O que dizem os especialistas sobre os cursos de criptomoedas de Windoh
Portanto, numa primeira análise, o economista não vê com maus olhos que alguém se disponibilize para dar este tipo de formação, mesmo que o preço ronde os 400 euros. Porque, se as pessoas querem perceber os conceitos por detrás das criptomoedas – como minerar, o que é a blockchain [tecnologia que regista as transações feitas], quais as limitações dos criptoativos – então devem informar-se melhor.
“Há dois anos fiz um curso numa universidade estrangeira para perceber melhor esta área, não vejo mal nenhum nisso. É importante cruzar informação e opiniões. Se as pessoas querem gastar 400 euros para aprender, são livres de o fazer. O meu receio é que as formações estejam focadas na parte da negociação das moedas, porque aí é dar uma falsa sensação de segurança sobre um mercado difícil”, diz.
E, por causa dessa “falsa sensação de segurança” e de haver espaço para que qualquer um dê início a práticas menos corretas, ou até mesmo ilegais, junto de quem está a dar os primeiros passos, que Filipe Garcia deixa alguns conselhos: “Aprender sobre o tema, quais os riscos, e oportunidades; ter noção de que os criptoativos não têm, na sua maioria, valor intrínseco, pelo que o risco é muito elevado, estando inserido num mercado especulativo; não alavancar [transacionar montantes acima do investido]; não acreditar em rigorosamente nenhuma promessa de ganhos garantidos ou investimentos em grupo; e perceber se se pretende ser dono de bitcoins e guardá-los fora da rede ou transacionar e beneficiar dessa volatilidade”. É tomar atenção, anotar os conselhos e considerar se quer dar esse passo em frente.
Filipe Garcia não está surpreendido pelo crescimento exponencial de interesse nas bitcoins por já ter visto fenómenos semelhantes e por considerar que a pandemia foi importante no aumento de interesse das pessoas nestas áreas — e que saíram, por exemplo, das apostas desportivas quando os campeonatos foram interrompidos.
Por isto, não deixa de destacar outro aviso: há quem, de forma intermediária, ofereça produtos de gestão, onde se pede um valor monetário inicial, para depois ganhar uma comissão de uma corretora, por exemplo. Aí, a probabilidade de se enquadrar numa prática ilegal é bastante mais elevada do que só a venda de um curso de criptomoedas. Sobretudo, porque algumas dessas instituições trabalham com derivados de bitcoins (valores mobiliários, por exemplo), que estão regulamentadas pelo BdP e pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e sujeitas, entre outras coisas, ao pagamento de imposto.
Esta não é só uma preocupação do economista, já que, através de uma simples pesquisa na internet, percebe-se que existem dezenas de denúncias relacionadas com quem perdeu dinheiro — não no caso de Windoh especificamente, mas em casos como o de David Soares (David GYT), CEO da WeVesting, ligado, por exemplo, à Forex. Neste caso, é exposto que David GYT angariava clientes, pedindo-lhes um depósito inicial, recebendo depois uma comissão da corretora BDSwiss.
Mas estas são denúncias virtuais, só com queixas de burlas (ou outros crimes) é que as autoridades podem mesmo atuar, caso se verifique uma prática ilegal. O importante é ter noção do que se está a fazer, com todas as ferramentas disponíveis. “Tem de se entender o elevado risco destes mercados, obriga a que haja cautela. Existe um vazio legal no das criptomoedas, não é tão regulamentado como o das ações ou derivados. É isto que me importa”, finaliza Filipe Garcia.
“Se vão à procura do Santo Graal, se são gananciosos… a ganância é que dá origem a grandes desaires”,disse ao Observador Paulo Cardoso do Amaral, colunista do Jornal Económico e professor do programa “BlockChain & SmartContrats”, concebido em parceria com o Instituto Superior Técnico e a Universidade Católica de Lisboa. E é nessa ideia de desaire que Cardoso do Amaral tem ocupado o seu tempo, explicando aos alunos — e aos seus leitores — o que pode estar em causa: é que, até agora, a criptomoeda serve como reserva de valor (a do leitor pode ser uma casa que tenha adquirido, por exemplo), tem um ecossistema próprio e dificilmente vai ser usada como meio de pagamento no ocidente.
Um pouco como o caso do ouro — compra-se na esperança de que, mais tarde, ao existirem mais pessoas a comprá-lo, o seu valor aumente. Portanto, especulação. Mas isso pode não acontecer. Para se perceber, o professor universitário dá vários exemplos. “Se toda a gente comprasse bitcoins, empresas inclusive, o Estado diria: ‘Certo, mas pagam em euros’”. Os criptoativos não estão nas contas bancárias, não estão legisladas, não se pode usar para pedir um crédito. Se só usasse essas moedas, como é que se fazia o fecho de caixa, por exemplo? As pessoas têm de perceber para que é que as bitcoins servem”, afirma.